No coração da economia brasileira, a siderurgia acenava com a promessa de um futuro robusto. Havia um plano ambicioso: investir R$ 100 bilhões entre 2024 e 2028, com a meta clara de modernizar plantas, renovar equipamentos e dar fôlego à competitividade nacional.
No entanto, à medida que as importações avançam e o cenário econômico se mostra instável, aquela projeção otimista começa a desvanecer. O setor siderúrgico revisita suas expectativas e promete menos. Nesse contexto, surgem dúvidas: o que essa revisão significa para o desenvolvimento industrial e para a modernização da infraestrutura produtiva?
Redefinindo o horizonte de investimentos
A siderurgia brasileira havia firmado um compromisso ambicioso. O objetivo era aplicar R$ 100 bilhões entre 2024 e 2028 para expandir sua capacidade, modernizar maquinários e fortalecer a competitividade frente ao mercado global.
A cifra foi oficializada em maio de 2024, no Palácio do Planalto, quando representantes do setor e autoridades governamentais anunciaram um novo ciclo de reindustrialização.
Entretanto, já no final de agosto de 2025, o setor anunciou que, diante do aumento das importações consideradas predatórias e da volatilidade econômica, aquele valor não seria mais mantido. O Instituto Aço Brasil revelou que os investimentos projetados para o período de 2025 a 2029 serão menores, sem ainda detalhar a nova estimativa. O recado, porém, foi direto: não serão mais os R$ 100 bilhões prometidos inicialmente.
Os fatores por trás da retração
Essa revisão para baixo não ocorreu por acaso. O Instituto Aço Brasil, representado por seu presidente-executivo Marco Polo de Mello Lopes, destacou dois pontos principais. O primeiro envolve a imprevisibilidade dos mercados e das políticas cambiais, que afetam diretamente o planejamento de longo prazo. O segundo está relacionado ao avanço das importações, que já representam quase um terço do mercado interno e pressionam os produtores nacionais.
Além disso, André B. Gerdau Johannpeter, presidente do Conselho do Instituto, afirmou que algumas empresas já cogitam postergar, revisar ou até cancelar projetos. Essa postura cautelosa demonstra que a confiança do setor se enfraqueceu. A própria Gerdau, um dos maiores players do mercado, já anunciou que reduzirá seu volume anual de aportes no Brasil a partir do próximo ano.
Modernização comprometida
A postergação ou redução dos investimentos impacta diretamente na modernização das plantas industriais. Esse processo é fundamental para elevar a produtividade, reduzir desperdícios e incorporar tecnologias da Indústria 4.0. Quando os aportes são suspensos ou diminuídos, projetos importantes, como a renovação de máquinas e sistemas de automação, sofrem atrasos ou cortes de escopo.
Um exemplo disso é a ArcelorMittal. A empresa havia anunciado um ciclo de investimento global de R$ 25 bilhões, incluindo usinas fotovoltaicas, expansão de unidades e parcerias em energia renovável.
Entretanto, um novo ciclo adicional, que poderia alcançar R$ 10 bilhões, está em risco caso o governo não reforce as políticas de defesa comercial. Na prática, isso significa a possibilidade de não implementar novas linhas de produção e de adiar tecnologias que aumentariam a eficiência e a qualidade do aço nacional.
Efeitos sobre a cadeia produtiva
O impacto não se limita às siderúrgicas. A cadeia metalmecânica, que depende do aço nacional, também é afetada. Se as plantas deixam de se modernizar, os fornecedores enfrentam custos maiores, produtos de menor qualidade e risco de fornecimento instável.
Nesse cenário, o Instituto Aço Brasil defende algumas prioridades. Entre elas estão a recuperação do mercado interno, a expansão da economia, o fortalecimento da cadeia metalmecânica e a redução do chamado “Custo Brasil”.
Porém, sem segurança jurídica e previsibilidade econômica, as empresas continuam hesitantes em investir. O efeito pode ser em cascata: menos inovação, aumento do custo por tonelada, perda de mercado externo e menor atração de novos projetos.
Consequências regionais e sociais
Outro aspecto relevante é o impacto regional. Projetos específicos, com grande potencial de geração de empregos e desenvolvimento local, estão ameaçados. Em Minas Gerais, por exemplo, a ArcelorMittal previa investir cerca de R$ 3 bilhões em um ciclo de expansão.
No entanto, a empresa afirma que a continuidade depende da criação de políticas mais robustas de proteção contra importações desleais. Caso contrário, o estado poderá perder a oportunidade de receber novos investimentos e de fortalecer sua base industrial.
Além da modernização comprometida, há também risco para o emprego. A retração dos investimentos pode levar a demissões, paralisações em programas de expansão e redução na renda de comunidades diretamente ligadas ao setor. A perda não se restringe às grandes empresas, mas também atinge fornecedores, transportadoras e prestadores de serviços locais.
Políticas de incentivo como possível saída
Apesar da retração, ainda existem iniciativas que podem amenizar o quadro. O governo federal tem buscado incentivar a indústria por meio de programas como o “Nova Indústria Brasil”, que prioriza a modernização tecnológica e a reindustrialização.
Além disso, a política de depreciação acelerada pode estimular empresas a renovarem seus parques fabris com menor impacto tributário.
Essas medidas, se bem implementadas, podem recuperar parte da confiança perdida. No entanto, é essencial que sejam acompanhadas de ações efetivas de defesa comercial, capazes de evitar que as importações desleais continuem a comprometer o mercado interno. Somente com um ambiente estável e políticas consistentes será possível retomar a trajetória de modernização e expansão.
Os desafios à frente
A retração anunciada representa muito mais do que um ajuste contábil. Trata-se de um alerta sobre a necessidade de reconstruir a confiança na indústria brasileira.
Para reverter esse cenário, será indispensável combinar políticas de longo prazo com medidas imediatas de proteção e incentivo. A competitividade depende de inovação, eficiência e estabilidade, fatores que só podem ser alcançados com investimentos contínuos.
O setor do aço está em uma encruzilhada. Se permanecer na incerteza, corre o risco de perder espaço não apenas no mercado interno, mas também no internacional. Por outro lado, se houver clareza nas políticas e estímulos adequados, o setor pode voltar a ser um dos motores da economia nacional.